terça-feira, 26 de agosto de 2014

O cara da mesa ao lado

By Tavares 512   Posted at  07:59   bebidasubstantivofeminino



- Ei, moça, meu amigo tá pedindo o seu telefone.
- Dizem que quem tem boca vai a Roma, e o seu amigo não é capaz de vir até a mesa ao lado?

Caminhando e cantando e seguindo a canção, certo dia cá estava eu voltando de uma reunião para casa. O percurso já era bastante habitual - carros passavam, pedestres passavam, estudantes fardados com risadas irritantes passavam. Mas, do outro lado da rua, senti que havia algo destoando da cena – não se mexia. De uma olhadela de canto de olho, vi que era um homem parado. Exceto pelo pescoço, que se movia na mesma direção que eu. Olhar é pouco, o que esse indivíduo me lançava ainda não tem nome. Me assustei. Havia algo estranhamente diferente de uma simples e odiosa manifestação indiscreta de testosterona. Estava muito claro e movimentado para uma investida de assalto. Meus pais não têm carro, não têm teto não têm dinheiro pra pagar um resgate de sequestro. O que significava aquilo? Arrisquei olhar novamente, e lá estava ele, me fuzilando. Apressei o passo, temerosa.

Após alguns metros, entrei em uma panificadora perto da minha casa. Essa atitude já era bastante habitual – sorri para as atendentes e devolvi um “sim” ao padeiro, quando ele percebeu a minha presença com um “integral, lôra?”. Peguei minha sacola de pão e virei para ir embora. E então lá estava o indivíduo, bem ao meu lado, me olhando. Pulei de susto, literalmente. Virei as costas e cheguei em casa tão rápido, que se houvesse um número em minha camisa, eu já podia ser despachada pro Olívia Run. Subi as escadas ofegante, guardei o pão e peguei o celular. Havia uma notificação no whatsapp. O número era desconhecido. A cara que apareceu na foto de perfil era a mesma que me encarava há alguns minutos. Era ele. Meu queixo caiu.

CIA? KGB? Comando Vermelho? Marcianos invadindo a Terra? Comensal da Morte? Super Saiajin em busca das esferas do dragão? De repente, uma série de possibilidades óbvias passaram por minha cabeça. Só fui interrompida quando minha colega de apartamento chegou, e depressa relatei o ocorrido. Mostrei a foto. "É o cara da mesa ao lado", ela respondeu. Eu, sempre péssima em questões de memória e especialmente com fisionomias, ouvi ela contar que o Super Saiajin estava compartilhando uma mesa bem ao lado da nossa, há cerca de uma semana, em um barzinho que visitamos com frequência. A essa altura, ele já havia narrado a mesma versão pelo whatsapp. Só que a sua história veio completa: ele pediu o número a um amigo em comum que viu me cumprimentar na mesa. O nome do tal conhecido não foi revelado, então, se estiver lendo isso agora, reze três Salve Rainha em agradecimento à sua vida.

Passado o susto e bloqueado o cara, passei a me questionar sobre esse velho tema de redação de vestibular: tecnologia, a favor ou contra o homem? Não se engane: o flerte online tá liberado. Iniciar um papo por whatsapp com alguém que você nunca teve oportunidade de conversar a fundo pessoalmente tá liberado. Curtir 30 fotos seguidas da pessoa do Instagram tá liberado. Pesquisar o nome no Google tá liberado. Cutucar no Facebook OPS PERA. Mas tem coisa melhor do que escrever a lenda dessa paixão cara a cara? Estou falando de troca de olhares e sorrisos de canto de lábios. Estou falando de voz, cheiro e expressão corporal. Estou falando de toque e de hálito de cerveja no ouvido. Estou falando de gente que tem todas as ferramentas para investir nisso, mas prefere pedir um número a um conhecido. De gente que, sem sair da sua cadeira, pode perceber se há chances de rolar - mas ainda assim pede ao garçom para ir até a pessoa com um sedutor "aquele cara ta pedindo seu telefone". Sua broxa, meu amigo, começa aí. 

Bares são ambientes totalmente favoráveis às iniciativas de flerte - disparadamente melhores do que panificadoras, por sinal. Até mesmo as pessoas que só costumam ter olhos para o seu copo de cerveja (presente!) vão perceber em algum momento de descuido um olhar de interesse. Pronto, é aí que começa o jogo começa. Se a pessoa retribuir, jogue o dado e ande uma casa. Se não der espaço, aceite o game over que dói menos. Dessa forma, você poupa maiores constrangimentos, ou simplesmente pode ouvir a própria pessoa soletrar o seu número de telefone para você. A vida é mesmo sobre correr riscos, afinal. E o último risco que uma pessoa normal gostaria de correr é ser confundida com o Super Saiajin. Porque nesse caso, meu amigo, vou apenas desejar sorte no jogo das esferas do dragão - já que no amor o fracasso é certo. 

Sâmia Louise


Back to top ↑
© 2013 Buteco 512. WP Mythemeshop Converted by BloggerTheme9
Blogger templates. | Distributed by Rocking Templates Proudly Powered by Blogger.