quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Caruru

By Tavares 512   Posted at  06:53   missaogourmet







Fim de setembro. Tá todo mundo publicando no Face música do Tim Maia e a versão do Mauricio Manieri e pesquisou no Google uma imagem bem bonita de flores do campo pra colocar como capa do perfil. O Missão Gourmet está sintonizado na mesma estação e começaremos este post brindando a chegada da prima Vera. 

Amo peônias, flores de maracujá, bromélias, os ipês carregados sujando as calçadas, e a ideia de vocês imaginando que a receita de hoje será algo tipo um maravilhoso escondidinho de orquídeas selvagens. Sei que é comum o uso de flores comestíveis na gastronomia, mas o Missão Gourmet se encarregou de saciar a vontade do amigo e integrante do #team512, o jornalista Ígor Luz, com um baianíssimo caruru. 

Consigo conceber Ígor entusiasmado como a maioria dos baianos com as promessas de comer caruru e vatapá em setembro ao invés de estar preocupado em colher flores no jardim. Capaz dele até esquecer de usar a imagem correspondente do encarte do CD de Sandy & Junior (sua banda favorita) mas jamais deixará passar batido da memória as iguarias que comeu sentado às mesas de Cosme e Damião quando criança.

Imagino que independente da criação religiosa que tivemos, e independente de gostarmos ou não de caruru, vatapá, xinxim, independente de relacionarmos a comida a algum contexto religioso/ritualístico ou não, todos nós baianos lembramos que setembro é a época de destaque destas comidas.

Tentarei dar uma contextualizada na coisa, mas de antemão me desculpo por ser superficial já que o espaço não permite desenvolver o assunto, e apesar de toda prepotência que me cabe, nem manuais de história e de antropologia cultural serão capazes de preencher.

Os carurus são famosos por serem celebrados no dia 27 de setembro, dia dos santos católicos São Cosme e São Damião. A maioria das pessoas geralmente fica confusa neste período com o angu entre figuras católicas, do candomblé e da umbanda. Pra entendermos melhor precisamos separar as coisas.

Aquele texto batido da não homogeneidade da cultura brasileira e das influências das culturas africana, indígena, portuguesa, blablabla, que aprendemos na 3ª série, que deu nesta loucura religiosa, gastronômica, artística, blablabla, deliciosa que somos hoje. Pois é. É daí que vem coisas como caruru de Cosme e Damião que bebem de referências culturais distintas.

As casas de candomblé brasileiras mais tradicionais, diferentemente do que a maioria das pessoas pensa, basicamente não interagem com elementos cristãos, nem espíritas, kardecistas, nem com a tradição indígena. Sua fonte de referência majoritária são as tradições africanas. Claro que sua liturgia e ritualística por estar dentro de um contexto brasileiro e não africano se revela ou modifica a partir desta condição. Já a umbanda é proveniente do sincretismo de elementos do candomblé, com o catolicismo, espiritismo e elementos da tradição indígena. Aqui por exemplo os cânticos são cantados em português diferente do candomblé que são todos em iorubá. 

As divindades no candomblé são apenas os orixás, a personificação de manifestações de energias da natureza, já na umbanda há o culto a diversas entidades e espíritos, e também alguns orixás do candomblé. E as diferenças são inúmeras pra aqui listar, e eu estou com preguiça e com fome.

Agora tu pense, nesse Brasilzão que Deus nos deu, ou Olodumaré para quem preferir, gigante e diverso como é, quantas resignificações e reinterpretações de caruru não temos? Numa pequena porção da Bahia você encontrará diversas formas de prepará-lo, dirá nesta vastidão afora. Pra dificultar, todo texto sagrado nas casas de candomblé é transmitido através da oralidade, então não tem livrinho de receita não, não tem livreto pra acompanhar aquele cântico também. Em termos práticos as coisas não são necessariamente assim, mas é pra vislumbramos como a gastronomia que se desenvolveu a partir do candomblé possui certa maleabilidade pelo país.

Por isso aqui vou me ater somente a desenvolver a receita "mãe" do caruru, que é um preparado com quiabos, dendê, cebola e camarão seco, e não leva amendoim nem castanhas. É a minha versão favorita e ela necessita de uma variedade menor de ingredientes e acredito ser a que mais se aproxima de uma das versões dos terreiros mais tradicionais. Recebe o nome de Amalá e é a oferenda mais comum dada a Xangô, o orixá do fogo e da justiça. E, por favor, cês me parem com palhaçada e não vão pensando que tô dando aqui passo a passo de feitiço. No candomblé, todo encantamento depende dos princípios e rigores dos rituais e seus cânticos.

Receita

Refogue uma cebola grande ralada numa panela com azeite de dendê, acrescente camarões secos inteiros umas 200 gramas, um pouco de gengibre ralado e então 800 gramas de quiabos cortados em cruz em fatias finas. Algumas pessoas reclamam da baba do quiabo, o segredo é usar quiabos jovens. Eu não sou muito a favor das técnicas que ajudem a reduzir seu excesso, mas pra quem persiste, indico que adicione suco de limão e água quente e escorra para então refogar. Outra possibilidade é adicionar um tomate picado enquanto refoga os danados. Mas o correto mesmo é cozinhá-los pelo tempo ótimo e mexê-los apenas em um sentido. Adicione mais 200 gramas de camarão seco processado ou em pó. Adicione água quente (pouca) e cozinhe até que as sementes fiquem rosadas.

Agora bate o tambor, passa debaixo de mesa, e fique surpreso como é descomplicado preparar um igual.

Dannillo Rocha

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