quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Heresias à Mesa

By Tavares 512   Posted at  11:25   missaogourmet













O desafio dessa semana foi dado por Iulo Almeida, mestre em Letras, baiano mas residente em Curitiba, e que pediu dica, coisinha, para os leitores desatentos sobre as boas maneiras e que eu sugerisse ideias de como sermos elegante à mesa.

Início de mês. Você recebeu o salário. Dessa vez você venceu a batalha com a planilha do Excel com suas despesas e milagrosamente sobrou um dinheirinho - em vez de dias no seu mês laboral. Você que já tá pouco magro se anima em investir naquilo que mais gosta de fazer além de dormir: comer. Mas dessa vez você quer uma experiência diferente, quer se mimar e se dar o luxo de ir num restaurante bacanudo. Você tá com desejo de algo mais elaborado do que aquela costela suína mal executada besuntada em molho barbecue que seu amigo sugeriu da última vez. 

Você tem em mente a palavra gastronomia e deseja um prato bem apresentado. A graça da iguaria não pode ser só aquele coentro picado ao redor do teu pedido muito menos ele pode levar uma rosa de tomate tipo aquela que sua avó costuma colocar do salpicão no Natal em cima. Você ficou na dúvida do que pedir e recorreu a sugestão do maître, tanto no prato principal como do vinho/drink que você confia que harmonizará corretamente com aquilo que deve ser chamado de qualquer coisa menos de rango. Na verdade você não ficou na dúvida do que pedir, você não entendeu mesmo o que tava escrito no cardápio. Ou se entendeu, ficou foi receoso de acabar escolhendo uma parmegiana ao invés dum carré de cordeiro.

O que aconteceu desde quando você pensou na palavra gastronomia foi que, além de se preocupar com o que iria comer e beber, você organizou na sua cabeça uma série de critérios. Eles possivelmente envolvem:

1) Como devo me portar nesse ambiente?

2) Como lidar com os talheres, taças e copos à mesa?

3) Com quem ir?

4) Será que vale mesmo a pena pagar?

Você pensou um pouco melhor e de antemão se sentiu desconfortável e oprimido pelas regras de etiqueta que não sabe ao certo se domina. O seu café da manhã você prefere mesmo que seja aquele servido no reaproveitado copo de extrato de tomate Cica. Por que então preferiria taças de cristal? Você pensa que seus amigos acham que você só que ir a um restaurante assim pra postar foto no Instagram e cutucar a sua ex-namorada por não tê-la levado jamais a um lugar assim. Eles pensam que vinho seco é algo que só se salva com umas colheradas de açúcar, e que sobram talheres pra uma comida que certamente não tapará o buraco do dente. 

Você não é capaz de imaginar o maître engravatado fazendo bolinhos com as mãos com aquele cimentinho caseiro de feijão+arroz+farinha coroado com um pedaço de carne e uma gota de molho pimenta. Você até deu um google nas dicas de Glorinha Kalil sobre como se portar, mas ainda não sabe o que fazer com aquele inesperado caroço de azeitona. E como poderá pedir um vinho tinto se acabou de pagar a última prestação do clareamento dos dentes?

O meu conselho meu amigo é: RELAXA A PERIQUITA! Em qualquer restaurante, os que ali trabalham estão disponíveis a te prestar assistência, eles não são pagos para ser a equipe de patrulha dos bons modos, e esperasse que eles estejam preparados pra conduzir você nessa experiência da maneira mais confortável e fluida possível. Como disse a gastronomia é pra ser uma experiência, vivenciada sem rigidez, é pra ser celebrada. Se você se interessa, é porque se entusiasma com as sensações que ela te proporciona, e isso deve se sobrepor a qualquer outra preocupação, seu herege, ridículo, sinistro que coloca o cotovelo na mesa.

A palavra heresia, de cunho religioso, tá aí pra provar que poucas coisas são mais sagradas do que uma refeição. Então tenhamos sensatez mas estejamos cientes que não nascemos sabendo de tudo. Eu poderia ter elencado aqui uma enciclopédia de dicas como os guardanapos (sempre de tecido) devem ficar ao seu colo e em que momento eles vão à mesa. O talher tal é pra isso, a taça tal é pra aquilo, pedir palito de dente tá proibido, comer com a boca aberta, ou fazer barulho com a sopa - se você o faz, é porque faltou porrada da mãe -, que azeite trufado não tá mais na moda e que só pode chocolate meio amargo. Os presentes darem as mãos e fazer uma oração em agradecimento ao alimento pode ser constrangedor e desnecessariamente chamativo.

Basicamente pra se desenvolver um senso gastronômico e perceber nuances entre preparo, degustação e inclusive de como se comportar, leva-se tempo. Ou seja, o que estou tentando dizer é que são necessários prática e interesse. Não adianta querer acelerar o passo da aprendizagem e nem esperar que conhecimento brote em árvore. Se dessem WiFi e conhecimento em árvore, o planeta estaria salvo. Querer ser correto demais à mesa sem a necessária vivência e conhecimento pode te fazer parecer ainda mais atrapalhado. É simples: seja você e enjoy the situation.

Dannillo Rocha

Back to top ↑
© 2013 Buteco 512. WP Mythemeshop Converted by BloggerTheme9
Blogger templates. | Distributed by Rocking Templates Proudly Powered by Blogger.