terça-feira, 25 de novembro de 2014

O dia em que eu trabalhei de ressaca.

By Tavares 512   Posted at  09:34   bebidasubstantivofeminino











Deveria ser o som do celular despertando, mas foi apenas a minha cabeça gritando de dor. Um pouco tarde, porém. Enquanto a luz invadia sem piedade as minhas retinas, o relógio na parede me informou, ranzinzo, que meu expediente havia começado há exata uma hora e vinte e oito minutos. Tentei pular da cama, mas pude ouvir a gravidade sussurrar: “Vamos ver quem manda aqui, gata.” A cabeça doeu novamente, o corpo pendeu pro outro lado da cama, um tequileiro imaginário girou minha cabeça e o estômago falou que não queria mais brincar disso. Vomitei no cobertor.

Quem nunca?
Mas minha apresentação aos fornecedores deveria começar pontualmente às 10, então, após um banho e 14 copos de d'água, lá estava eu sacudindo dentro do ônibus. “Vomitar não, vomitar não, vomitar não”, rezei. Enquanto eu controlava minha náusea tentando contar com uma ajuda divina-estelar, o cobrador me lançou um olhar desconfiado. Ele sabe. Todo mundo do happy hour que terminou em vodka na sala da Camila sabem. Eu derrubei a réplica de Caravaggio enquanto brincava de ministrar uma aula de zumba. Contei à Ester que o paquera dela é gay. Quebrei duas peças da louça de porcelana francesa. Passei trote pra atual do meu ex. Vomitei no chão do banheiro. Limpei a boca com o pano de chão. Mas ninguém tá te perguntando nada, seu cobrador.

Sobrinha passando mal no pronto-socorro e celular descarregado foram as desculpas que depositei na mesa do chefe. Mesa bastante parecida com a que eu subi ontem, na hora do clipe da Madonna. “Recuperar memória não, recuperar memória não”, orei devotamente outra vez. Fingi ler alguns papéis enquanto partia para o 21º copo d'água e 3º analgésico. Os fornecedores começaram a chegar. A fome devastadora que procede ao enjoo também. “Bom dia”, sorriu-me o Beto, segurando um bombom. Mas nem se eu estivesse sofrendo de subnutrição crônica iria aceitar um bombom do arrogante nojento do Beto! Beto. CARALHO, ONTEM EU PEGUEI O BETO! 

O grito só não se materializou no meio da recepção porque minha garganta continuava seca. Fiz uma promessa silenciosa às entidades que estavam me ouvindo – ou não – de que nunca mais eu iria beber. Nunca mais participaria de programas em véspera de expediente. Meu peito se comprimiu de dor, e eu não sabia se era a nobreza do arrependimento tocando minha alma ou se eram gases. Fiz a menina inocente de 15 anos que corre para o banheiro do colégio quando tem seus sentimentos feridos, pra chorar escondido. Sentei no vaso enquanto procurava as lágrimas, mas acho que elas também foram absorvidas pelo meu corpo em ressaca. Então olhei a tela do celular: faltavam 20 minutos para a reunião. Chorar uma porra. Vou tirar um cochilo.

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