terça-feira, 3 de março de 2015

O preço do dramaturgo

By Tavares 512   Posted at  04:38   bebidasubstantivofeminino













Sabe aquele almoço do domingo pra eu conhecer a sua família? Cancela. Não sei se é cedo ou tarde demais, se foram os Titãs ou a Rita Lee que disse isso, só sei que não quero ir até eles sem antes estar segura de que, primeiro, cheguei até você. É que a sua atuação é maravilhosa e me aturde sempre que entra em cena. Quando me dou conta, perdi as rédeas da realidade. Confesso que eu guardo todos os bilhetes que você deixa escondido em minha bolsa, com trechos de músicas daquela banda canadense que você adora, e me arrancam risos contra vontade quando consigo traduzir com o meu inglês primário. Confesso que acho bonitinho o nosso porta-retratos na estante da tua sala, virado para a porta, sorrindo pra todo mundo que entra. E que gostei de ter chegado de mãos dadas no casamento do seu melhor amigo e te ouvir pronunciar meu nome em cada apresentação. Mas, e aí dentro, até onde eu consegui chegar?

Não sei aonde você pretende ir com esse enredo, mas só te peço que, por favor, não me convide a dar nem mais um passo se não puder realmente suportar o meu peso. E ele é muito maior do que parece, acredite. É que eu me sinto sobrecarregada de andar por aí com tantos paradoxos empoleirados em meus ombros, como anjos e demônios sussurrando cada um a sua verdade. Se isso parecer uma cobrança, ora, talvez realmente seja. É que antes mesmo do compromisso, vem o coração. E o meu grita baixinho que está perdido no meio de tantas palavras bonitas e mãos frouxas. Tanto sorriso largo na fotografia e estômago cheio de soluços engolidos. A minha gastrite é nervosa e não faz parte desse teatro. Eu sinto o cansaço da atriz cujo sonho é fugir do roteiro. Queria saber qual é o teu papel nesse espetáculo. Queria ouvir o que você cochicha nos bastidores. Eu sei que o cenário está encantador, mas eu acho que ainda assim vou pedir os aplausos um pouco antes do esperado e sair pela porta da frente. E se você não estiver pronto pra largar essa máscara e me levar a algum lugar onde as cenas que descreve deixem de ser tão somente dramaturgia, então só afrouxa um pouco mais a minha mão e me deixa ir.

Não se preocupe, eu vou saber mudar o meu rumo. E o teu coração não será mais o destino onde eu queria chegar. Talvez eu faça uma viagem, quem sabe para o litoral, ou finalmente conheça Curitiba. Não, não me peça pra ficar. A tua peça está pequena demais, e no teu palco não cabe a sinceridade do meu querer. Eu tenho pressa, e no teu tabuleiro não me contenta ser só mais uma peça. Minha bolsa vai ficar mais vazia sem os teus bilhetes, mas os dias também vão aquietar-se de modo a preencher os vazios da alma. Quem sabe eu frequente outros almoços em família, conheça outros amigos e tenha alguém para me puxar num cafuné sem jeito, enquanto pergunta a minha opinião sobre uma das manchetes da semana, só pra não deixar eu me sentir deslocada no meio deles. Basta você afrouxar um pouco mais as cordas da marionete, e eu sigo cambaleando. Enquanto estiver dando os meus primeiros passos, por favor, jamais pronuncie o meu nome. É que eu não quero correr o risco de olhar pra trás quando ouvir tua voz. Além disso, não adianta chamar quando alguém está perdido procurando se encontrar. E a culpa não é minha – foram os Titãs ou a Rita Lee que disse isso. Acho que ouvi na trilha sonora de alguma dramaturgia barata por aí.



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